confessions
O odor arranha as narinas. Suado. Destilado. A cama geme. O corpo flui pesado. O mofo acima respira, move-se. Enebriante. Lentamente encontram-se as pálpebras. Separam-se. Agora nova visão. Novos cheiros. Jasmim, toque almiscarado. Atravessando as paredes vai embora o sol. Mãos trazem os pratos. Sabores do mundo. Fervor de um corpo à explosão da primeira vez. Despem-na sem desejo. Toque angelical. Estira-se no abraço de mil fios. Afunda na revoada. Os olhos se fecham. Expira flores. Inspira homem.
As seis horas saem os aviões. Tocam os sinos. Seis vezes. Espremem as laranjas. Choram pelas mães. Seis vezes. Começa a vida. As pupilas saltam, se escondem. Os ouvidos se aguçam. O som não chega. Não há criança. Não há missa. Não há sede. Não há nada. Não há vida. Silêncio.
As ostras, sempre tão fechadas, às vezes cometem o erro de tentar observar o mundo. Abrem uma pequena fresta e é nesse momento que os grãos de areia pulam para dentro delas. Não importa o quanto as ostras se defendam, a areia dali não sai. A mais bela resistência essas conchas oferecem, inutilmente tentam combater o grão que só faz crescer. Por fim a ostra desiste e revela seu tesouro, sua pérola cintilante. Uma preciosidade grande como o amor, que pequenino entra nos corações e quanto mais é atacado, maior fica. Três anos para se formar uma pérola. E o amor? Quanto tempo leva?
Talvez ela vá embora algum dia e se for esqueça-se dela. Recorde-se apenas das sensações. Espere a chuva e vá ate a janela, veja a água escorrer pelo vidro e sinta o cheiro do ceu, esses serão seus abraços. Seja mais uma vez uma criança, contando estrelas encantada com o infinito e então nos seus ouvidos você terá o sopro de suas risadas. Esconda-se em meio a borboletas e deixe que o toquem com suas asas como o dedilhar de mãos que um dia caminharam por você. Enterre-se no aroma doce da grama ao amanhecer e encha seus pulmões daquele sentimento de aproximar-se dela e roubar-lhe o cheiro. E se vir pássaros nas nuvens feche os olhos e sentir-se-á penetrado por olhares que um dia conheceu. Esqueça-se de sua existência, mas se um algum dia ela lhe fez feliz lembre-se da felicidade. Lembre-se da felicidade e apenas dela.
A minha frente reflete-se o trópico de nossos sonhos colocando-me entre as ausências do passado e as incertezas do futuro. Sigo com passos cautelosos por entre a névoa que encobre minha mente. Perante os oceanos navego entre enganos que ao bater do vento abrem meus olhos para sentimentos equivocado. Rosas invertidas, e bússolas que tempestades alteraram me guiam por caminhos enganosos. Olhava ao horizonte e clamava por resgate. Ao longe via-se a tênue linha entre a luz e o abismo que gradativamente apagava-se no horizonte. E então veio a calmaria, cessavam os ventos restando apenas a delicada brisa advinda do oceano, cinicamente guardando novas nuvens tempestuosas.
Vestidos, joías e brilho; música, valsa e rodopios. Figuras animalescas de comportamento humano. Nos espelhos envolvendo o salão as cores dos quadros se misturavam às luzes do teto. Girando sobre o escorregadio de mármore estavam seus pés e tudo ao alcance de suas pestanas. Um copo e uma dose e tudo se desfaz. Novamente os quartos brancos e os lençois desarrumados. Braços presos sob olhares atentos, um passo em falso e começa a sinfonia. Luzes e gritos não atingem os rostos impassíveis das mulheres de branco que com agulhas destroem ilusões daqueles homens insensatos.
A cada vez que permito a minha mente fazer divagações sobre este assunto fica mais fácil perceber o quanto me engano ao tentar encontrar coisas que não existem. Por onde quer que eu vá me perseguem pensamentos consumidores da alma. Grandes gênios traduzem seus poemas nas imagens que por mim passam. Construo pelas ruas ideais distantes da realidade e vou em frente tentando reencontrar-me com o passado. Sigo os pensamentos para ver até onde irão. Caminham em passos lentos num eixo constante. Me perco tentando ultrapassá-los. Incessantemente me sufocam até que me atinja a vertigem e eu não mais tenha reação.
O dia amanhecia e a chuva estava a cair, a cidade estava adormecida, exceto por uma garota. Em algum lugar por ali, numa silenciosa sinfonia sorrisos se formavam em seu rosto. Sob seus pés estrelas e avenidas. Unica e distante a luz refletia nas nuvens os sonhos da garota. Um estranho panorama adorado pelos anjos. A chuva cessava e os sorrisos escorriam pelas ruas tal como a água. Misturaram-se os risos à paisagem urbana no bucolismo do orvalho. Saiam os primeiros indícios do amanhecer levando a garota de volta a sua casa onde aninhou-se novamente a tristeza que era tudo que restara após com sua alegria presentear a cidade
Pessoas contraditórias. Ora fazem, ora desfazem. Ora querem, ora desdenham. Tanta inconstância para mergulharmos na insegurança, não será toda essa contradição a grande causa de nossos sofrimentos?!
Retornei a nossa casa abandonada, onde as paredes guardam as memórias. E diante de tais memórias me entrego a magnificente tortura de reviver o passado. Fantasmas ainda vivos me sussurram palavras repetidas. Traga-me alguem, de volta ao presente. Imperfeito, perfeito ou mais que perfeito, desejo apagar as cores desse passado. Um dia hei de deixar tudo para trás e levarei comigo apenas retratos desbotados.
Aproveitemos o sangue rubro que corre em nossas veias antes que se torne cinza. Sejamos jovens e vivamos a juventude como deve ser, com graça e liberdade, com sorrisos e a inconsequência. Que nossos atos sejam reprovados e condenados enquanto é tempo. Hemos de viver noites em que as estrelas brilharão só para nós. Grave seu nome nas paredes e nos jornais. Tenha fotos para lembrar, quando as luzes se apagarem, daquilo que vivemos. E se nada tivermos vivido do que nos lembraremos?
Disseram-lhe quando criança que as memórias manteriam os momentos vivos, talvez por isso tenha se esforçado tanto para não esquecer. Mas sentada ali, com todas aquelas lembranças que não mais desejava ter, sentia que havia perdido seu tempo. Aqueles, que foram talvez os melhores momentos de sua vida, já não lhe faziam bem. Entretanto seriam impossiveis de esquecer, conformou-se então, com apenas ignorá-los...
Sentada num canto qualquer, tentando esquecer, mas para onde quer que olhasse havia algo para lembrá-la daqueles dias que ficaram para trás. Afogada nas mais devorantes sensações, cheiros e sabores, desejava apenas uma coisa: poder viver tudo mais uma unica vez.
A garota acordou no meio da noite perturbada com o sonho que tivera. Como uma avalanche as memórias avançavam sobre sua mente. Incapaz de admitir o que sentia, seus pensamentos se misturavam. Uma neblina se formava diante de seus olhos impedindo-a de ver o que estava bem na sua frente. A sensação de vazio a tomou e com lágrimas nos olhos novamente ela adormeceu.
Sonho - Seqüência de pensamentos, de idéias vagas, mais ou menos agradáveis, mais ou menos incoerentes, às quais o espírito se entrega em estado de vigília, geralmente para fugir à realidade.
Ouço pelas ruas pessoas aconselhando as outras a esquecerem seus sonhos e fico a imaginar, como se esquece um sonho? Podemos fazer e desfazer as coisas, mas quando foi que inventaram o verbo dessonhar? O uso desse verbo seria tão falso quanto o próprio significado, não se pode esquecer os sonhos. Colorindo vidas, consumindo almas, muitas vezes guardados no fundo do armário, mas nunca esquecidos. Imagens de um castelo de vidro...